Saturday, April 22, 2006

Mídia e comunicações

Nos segundos tempos de Brasília, tivemos um pequeno recurso do CNPa para estudar a América Latina em três jornais: Jornal do Brasil; Folha de São Paulo e Correio Braziliense. Projeto barato que deu certo. Tudo o que recebemos foram pequenas bolsas de iniciação científica. Deu artigo, tese e monografia premiada. Baixar de SOARES, Gláucio Ary Dillon. A América Latina na imprensa brasileira. Opin. Publica, 2004, vol.10, no.1, p.63-90. ISSN 0104-6276.

No plano político, não é possível ignorar o papel crescente dos marqueteiros e da internet. Engajado na campanha contra as armas, sofri com a derrota - democrática e legítima - do SIM. Um dos artigos a respeito foi publicado em Convive , Comitê Nacioinal de Vítimas da Violência e se chama Adeus à Democracia Pode baixá-lo ou lê-lo abaixo:

Referendo – Artigo

Adeus à Democracia

Gláucio Ary Dillon Soares

Ganhe o SIM ou o NÃO, a democracia perde ou ganha? Ganha porque o povo brasileiro decide; perde porque decide de acordo com os marqueteiros. Quando se discutiu o horário gratuito, o ideal era nobre: limitar a influência do poder econômico, dar uma chance a quem não tinha dinheiro de defender suas idéias diante do grande público. Seria um momento para confronto de dados, resultados de pesquisas, idéias, argumentos, com benefício para o público. Um refinamento da cultura cívica. Não se previu que as campanhas se tornariam batalhas entre imagens e não entre propostas e seus alicerces factuais e ideológicos.

Sim, o marqueteiro do NÃO é bom. Elegeu, imaginem, Fernando Collor. E talvez convença a maioria do público brasileiro (já convenceu uma parte grande) de que aumentando as armas de fogo, aumentará a segurança e diminuirão as mortes violentas. Os dados mostram o contrário.

Como é possível?

Numa sociedade de telespectadores, a mídia, e a TV em particular, tem função muito importante. Porém, o tempo disponível é muito curto para expressar uma idéia complexa. A palavra perde importância, sendo reduzida a frases de efeito. Talvez o encurtamento das cenas no quotidiano da TV reduza a nossa atenção e nos impeça, por um cansaço induzido, de apreciar monólogos e diálogos mais longos, argumentos mais complexos – na TV e na vida também. Vivemos, cada vez mais, num mundo rápido, de tiradas e de mentirinha onde, pasmem!, acabaram os cômicos, aqueles que fazem rir com suas palhaçadas. Êles foram substituídos por risos gravados no estúdio, de mentirinha, manipulados à vontade pelos editores dos programas. O seriado cômico de maior sucesso nos Estados Unidos, Friends (Amigos) durou uma década. É assim.

Robert Putnam, critica o isolamento social: que mais americanos assistem Amigos do que têm amigos. Em Bowling Alone, Putnam critica o fim da sociedade participativa e dá números: declínio de um terço no comparecimento a reuniões públicas e no número de sindicalizados; queda, pela metade, na participação em partidos; o tempo passado com amigos caiu 35% e assim por diante. A sociedade associativa, participante, com fortes governos locais, descrita por Tocqueville, foi substituída pela sociedade do divã em frente à televisão.

Porém, há uma competidora da televisão que, ainda nanica hoje, cresce rapidamente e promete ser gigante amanhã: a internet. A internet, como a televisão, pode ser um grande instrumento de desenvolvimento político, de democratização do conhecimento. Está levando o conhecimento contido em bibliotecas que eram privilégio do Primeiro Mundo ao Terceiro Mundo, a despeito da caríssima intermediação de empresas que nos vendem o que nós publicamos. A internet me permite (e a muitos outros) dar aulas a estudantes ginasianos espalhados pelo Brasil; permite, também, o furto de identidades, pedofilia, fraudes, divulgação de técnicas de construção de bombas e minas etc. O referendo produziu uma feroz campanha quase unilateral pela internet onde se divulgaram alguns fatos, algumas idéias e, infelizmente, um gigantesco besteirol - no qual muitos acreditam. Por esse meio, o NÃO mobilizou muito mais gente do que o SIM.

Afinal, o NÃO mobilizou quem gosta de armas, e sabe disso, quem tem medo, e sabe disso. Os maiores interessados na vitória do SIM são as futuras vítimas das armas de fogo, os que morrerão e os que serão feridos, muitos dos quais, ironicamente, estão defendendo o NÃO. Mas êles não sabem que vão morrer e que vão ser feridos. Os maiores defensores do SIM morreram e não votam mais.

Podemos calcular, dentro de margens probabilísticas seguras, quantos vão morrer. Não é mistério, já o fiz muitas vezes e qualquer um pode fazê-lo. Mas, como transformar uma probabilidade em um sentimento? Pesquisas, ciência e conhecimento não conseguem. Números não criam identidades.

Mas imagens e emoções como o medo, criam. Estereótipos criam. A imagem do criminoso gerada pelo NÃO junta todos os preconceitos num clip de vinte segundos. Um homem, escuro (claro!!!), com brincos, cabelo pixaim (mas só um pouquinho para que o racismo não seja óbvio), de origem pobre, dentes estragados, mas tratados a ouro, com um sorriso perverso. Do outro lado, defendendo o NÃO, um jovem, branquíssimo (claro!!!), alourado, musculoso, parecendo ingênuo e sincero, de classe média. Em vinte segundos, o marqueteiro do NÃO condensou os preconceitos raciais e sociais mais poderosos da sociedade brasileira. E ganhou votos.

Num mundo movido a imagens, a verdade está perdendo o sentido. Se coloca o que ganha voto, falso ou verdadeiro. As campanhas eleitorais “vendem” imagens. Emplacaram Collor e os anões do orçamento, assim como os corruptos da vez e outros que estão escondidinhos. Há décadas suspeitávamos de Maluf, que se elegeu prefeito e foi candidato a presidente e a governador, recebendo milhões de votos. O jogo de imagens zerou a correlação entre a pessoa real e a persona política. A imagem pode ser a antítese da realidade.

Em 1948, George Orwell publicou 1984. Cinco anos depois, Ray Bradbury publicou Fahrenheit 451. Eram, na época, livros de ciência ficção, preocupados com a lavagem cerebral feita por governos totalitários, dominando a leitura e reescrevendo a história, num, e queimando livros e concentrando a comunicação na televisão, noutro.

No Brasil, pouco mais de meio século depois, em parte, a ficção virou realidade. Politicamente, estamos longe, muito longe – felizmente – de uma ditadura.

Somos uma democracia de imagens.

Gláucio Ary Dillon Soares

IUPERJ


O poder crescente da internet é tema de muita conversa e pouca pesquisa no Brasil. Temos alguns ensaios com insights, mas poucas pesquisas. Profissionalmente, a internet foi de grande auxílio para mim, mas há sérios problemas. Coloquei algumas idéias e dados (outro ensaio, agora meu) em artigo publicado no Jornal do Brasil, Anjo ou demônio?


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